sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Toda melancolia

                                                                                 Sugestão de trilha sonora: https://www.youtube.com/watch?v=vQVeaIHWWck

Haverá, senhora, o tempo em que dirás nunca.
Se algum torpor abraçar teu peito
Se estiverdes certa do quando podes ser triste,
Dirás nunca à melancolia...

O teu filho partirá teu corpo num suspiro ágil
E quando a febre lhe atingir misteriosamente
Lembrarás do nunca, eu imagino
Quando perderes o orvalho numa folha de figo.

À tua mão a réstia de um fogo breve
E pelos pés num manto o acúmulo de fracassos,
Então virás a mancha da agonia...

Pelas ruas o assombro parte em frente à tua vida
E se se lembras do quão nunca é todo pranto
Desvelar-se-á a morte em sincronia.

Último canto

                                                                                  Sugestão de trilha sonorahttps://www.youtube.com/watch?v=39DNaNAMKAU

Aqueles que perduraram até o tempo presente
Aparentemente diferem a lágrima
dos povos todos, da estática aurora,
e se incrementam compilados no nada.
Há de se glorificar a moça
que, de um remorso cativo,
subjetivou o estorvo sobrevivência.

Quando a escuridão pairou sob os lares
nenhuma alma inquieta sorriu.
Um hino não ressoou
Não viram a dor entrar, na periferia sólida
por dentro do peito um sorriso
morria murcho.

Um ébrio saltou à esquina, e caiu
perante esforços vagos de recuperar suas chances,
quando lâminas de sangue surgiram do céu
ninguém dormiu.

Os inocentes temiam a morte, temiam amar o mundo
Mas agora, que o têm,
primam pela força violenta,
só agora o movimento é uma rocha infante
Significante, significativo estuporador de momento.

Seu capital comprou as ilustres praças
e nenhum galho tornou ao fronde
de onde partira, extasiado.
Só não roubou a letra que desceu firme no enfado último, suspiro austero
quando os grilhões sedimentaram o vento
e, melancólico, rasgou a terra...
sob os túmulos plantados eternamente permanecemos.

Perfecto

                                                                                  Sugestão de trilha sonorahttps://www.youtube.com/watch?v=MPvS0g2papI
                                                                                                                  
                                                                                                                 “Inter peritura vivimus"
                                                                                                                                             Sêneca
Era início da autópsia. A diploide
Obstipada em contato ao pterígio
Em secreção do constante fastígio
Do endomísio ao linfoma à tireoide...
            
No trauma, a bifurcação no basilar,
O periósteo infindo ligando o lienal
Senil; no pênis, do apetite sexual,
Cravada a decídua deixou-se encontrar.
            
Das mucosas e sebáceas laríngeas
No epicôndilo, que já em hiperplasias,
Pariu-se as teralogias esfígeas.
            
Há exsanguinotransfusão em herniorrafias
E, no precórdio, a hipófise que tinge-as
Do encéfalo, com sangue de hemorragias.

Cabelo

Todos acham, nos fios de suas belezas,
O cabelo negro e fosco:
No olho dilatado ofusco
A tristeza de todas as tristezas.
            
Me parto inteiro de impurezas,
Castigo o ato maldito de mastigar
O nutriz do viver, sustentar
A gordura ao invés das magrezas.
            
Enquanto vou vivendo elástico e afore,
Como um passageiro sem hora nem data,
Meu rústico cabelo morre...
            
E vai ficando branco e prata...
Falsa anomalia coliforme,
Gélida vida que se mata.

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Os estelares

                                                                                 Sugestão de trilha sonorahttps://www.youtube.com/watch?v=z_dEGxRs3lU

Somos estelares, menina,
Numa estética modernista
Ultrapassando vicissitudes
e consumindo conquistas.
Para trás os corpos todos
dos que ontem foram
para o mundo e não são mais
animados, animais.

O passo da alvorada ao nosso alcance
Um reflexo do tempo num relance
e já nada nos mais pertence,
senão um trágico empirismo.

Do universo teço um céu de rotas,
Crio contigo um paralelismo.
Num altruísmo
fulgura a face de Deus!

Pelas batidas do coração caindo vamos
perdendo a guerra injusta,
e a capacidade engajada à palma
escorre pelo chão dos lares.
Certamente não choramos – os estelares
- sumimos, confluentes nos clamores
por não clamares.
As coibições, confissões latentes, menina,
as lutas superiores
Pela memória das gerações
Esquecer-se-ão delas.
Mas as estrelas se apresentam pelo quarto crescente
à todas as cortes de lembrança ao céu
e o horizonte se espelha nas mãos.

Somos todos estelares
só que alguns mais, outros menos,
por isso morremos
e vivemos dores.

Não somos atores
Não somos o que temos
Não somos flores.

Não somos mais nem menos
Não somos o que queremos
Não somos amores.

Somos estrelas maravilhosas
que de uma noite frondosa
romperam!

Cadentes, nas entrelinhas,
umas caíram sozinhas
outra caírem esperam.

As estrelas tortas, do esquecimento,
desses pontos luminosos a traçarem curvilíneas,
a noite, de porta em porta
pelo pálio descendentes, do cosmos e, de repente
aborta.

Enamoradas se entregam
arremedam ilusões,
Os estelares são clarões
para os que a musa enxergam.

Adornando a paisagem
cinematograficamente bastam,
Por fagulhas de dureza bélica
as estrelas são trágicas.

Fatídicas, enigmáticas:
a semelhança do que é entrega
ao contrariar a náusea
da mortalha que se carrega.

Somos todos estelares, menina,
ofuscados eternamente
pelo sol da senda cega
e o tempo que determina
quem ascende e quem se inclina
quem deveras dor não sente.

Et transite vobis dignus

                                                                                 Sugestão de trilha sonorahttps://www.youtube.com/watch?v=k1-TrAvp_xs

A nós, que somos forjados na dor,
acostumados a sofrer diariamente
em formas avulsas sutis,
nas árduas culpas remanescentes.
Ainda não provamos da angústia!

Portanto trate-me assim como tu tratas
O pó, que do vento vem de leve
acariciar tua alma.
Portanto não me dirija palavra
que ponha-me ao chão de novo
ao revés de um estranho sonho.

Antes de ter por tudo, lhe dizer quero:
Prefiro ofertar-lhe o desespero
que furta-me e o remédio
do estuporador caminho.
Pelas cruzes que levamos
E que, ser acreditamos,
Sustentáculo da vida!

Assassino do abstrato,
Construí as minhas linhas
suplicando a recessão
da dor do físico fato.

Justificas-me ao nada estar atento
pelas vozes que sussurram dissabor
às suas quimeras.

E no que me dá querida morte fria
Que me apraz somente tê-la em alegria
Sendo-a como não se pode ser com a vida?

Me sufoco na cadência desprovida,
para só, por ti, sorrindo ser saída
pela morte em minha branda nostalgia.

E renasço e vou ao ventre e vou não sendo
o pecado desvairado pelo pranto
pelo golpe que não vai mais se doendo...

Vejam todos que vivi aquele tempo
Mas me agora não há tempo senão quando
O tempo em que estou morrendo.

Passagem

                                                                                 Sugestão de trilha sonora: https://www.youtube.com/watch?v=-l5Zc_kEsM8

Quem canta haverá de temer o destino
por quanto teu canto logrou o desgaste
e ao tempo ameno se lhe acostumaste
do tempo, portanto, lhe virá o atino.

Dolentes supondo-lhe outros olhares
do que eras contente com tudo do antigo
Que crépido fogo levara consigo,
Mantém rés a chama nos teus calcanhares!

É breu a colheita provinda do vento
Que ao vil se assemelha também e amiúde
Refrata o cativo na parte por cento,
dolorosamente refrata a saúde,
vagarosamente dilui o talento.

Chorar o amante na relva a beleza
recruda das flores, nênia à primavera,
doando-se à morte no hirmeneu que espera
roubar-lhe funesto a alma em tristeza.

Não mais Fornarina discende a riqueza
da lira que d’antes vibrante cantaste
à vida, ao mar, ao sonho, à pureza;
Teu pranto tresanda em torpor e dislaste:
a morte, a terra, o fundo, a frieza.

Se agora tão basta a fortuna incessante
Anátema austero a tudo recrudesce
na aurora cadente de um fado oscilante,
que pela virtude em proporção merece
o golpe contínuo da dor sopitante.

Calado pobre e glorido do nada
Às brumas que encolhem seres a pluma,
À escuma que lembra Andrômeda atada,
À vida que entre todas é mais uma,
À nau tenente e próspera afundada,
À luz que se ofusca da luz suma.

Insípida esperança jaz acabada,
Embora se demonstre a plebe expúria,
Impossibilitada é tua fúria
e tua atividade exonerada.

Fustigas agora com teu ventre morno
de ódios sustém-se para se conter
no lastro senil da fama a prorromper
a queda fatal do penúltimo adorno.

E quando restringes teu leito à deriva
à nau, doravante se crava em teu seio
nos poucos instantes que tua alma é viva,
sombras entrepostas num largo enleio,
vulturino vulto que em veloz esquiva
delira errante tenaz devaneio...

Os baques constritos rugindo constante...
O som da mortalha roendo-lhe a parte
da carne, do carma, do amor e da arte
e tu não é mais que um instante.

Bem vindo médico cubano!

Mais um ano nas quebradas
Esplanadas, como ontem,
Condenadas, sem que contem
Um quebrado ser humano.

Ele veio hoje e sempre
Será bom para com eles,
Como foi bom para aqueles
Tingindo seu branco pano.

E com sangue e seu suor
Fez das tripas artifícios
E corroborou indícios
De ser de todos hermano.

Seja honra à criatura
Que lhe vem para curar
A malícia pelo amar
Te tornando mais cubano!

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Tragédia

As emoções não iam bem àquela noite. Ele, sentado no banco do camarim, com as pernas cruzadas formando um triângulo minuciosamente geométrico, lhe custando à postura, o qual, em seus pensamentos desvairados de pormenores erros. O desgosto o clamava austero e um copo entornava afoito. De fato, o suor tingia a maquilagem ainda que perfeitamente elogiável... Ora, o sangue de artista corria mesmo em suas veias! Seu passado glorioso o inflava de sagacidade e, como sempre, estruturava-se filiformemente um anseio pelo povo. Mas algo o mudara recentemente, sentia arrastada a vontade e ao sentimento surgia profundo o desejo de saltar. O espasmo tingiu-lhe por derradeiro e assim se foi meio copo. Ardente desceu-lhe a garganta e a saliva não era mais água, seu corpo não era mais pó; o triângulo contorceu-se em viravoltas sopitando o homem altruísta, mas como lhe ardia à garganta! Rodopiou, nos vórtices coloridos de um paralelismo simétrico, rasgava a rotina, abria e fechava os olhos ao ritmo do tango que se fazia ouvir dos palcos. Estirou sua cama num celeste pálio, colheu das nuvens o fruto e flutuava, até então, sob um chão movediço de felicidade. Aos poucos brotavam risos descompromissados provenientes do que se podia ouvir da plateia, era livre, pois que de tanto engastou seu último gole, para o líquido com ele respirar... Um, dois, um, dois... Ao passo que engendrava um lar à encosta pelo topo de uma palmeira, logo acima do Sol, com tábuas e cordas e as fibras mais densas do seu coração... Um, dois, um, dois, um, dois... Fluía então, voava, saltava distante enfim! À altura pela vista do bosque que arquitetara lhe era tangível um arco ponteando a noite com Deus e o éter entre um imenso abismo. Pois não hesitou, findou-se a haurida harpa dos acordes badalados logo que forjada fora a lembrança de sua senda; espirituosamente acariciou a ave que sempre lhe acompanhara pelo modo como desatou a gota dos olhos, os pés se despediram do chão e cálida a garganta rompeu-se em nó, a cortina se abriu.

Os tecidos de Pandora

                                                                                 Sugestão de trilha sonorahttps://www.youtube.com/watch?v=GGU1P6lBW6Q

Uma luz para que hibernem
os rudimentos lúgubres.

Para que todos governem
Os prados utopicamente breves,
Que ao dobrar em ti meus olhos
uma síntese semiótica
Suplante fragmentos meus
e lapide o modo hostil
e o fruto crítico rompa
Pela negrura do teu corpo.

Um ósculo abstrato troco
contigo e no sono
a insônia instigo
No crânio oco.

Carne é rocha e estigma,
o raio sigma a liga
A fraturas e fraudulências.
São mágoas, do que lembras
do cântico dos horrores,
arquetípicos amores,
pois não pensas.

Feridos acres não suturam
por píleas pragas o predando
à metonímia do ébrio dando
álcool à minha mente.

Cínico bardos, escárnios
despudorados, feixes...
Imageticamente sinto,
picturalmente penso,
O pixel aparentemente enche
me sentimentalismo!

A fome é vasão
A vida é morte
O torque é um grilhão.

Amamentar a praga
Para que cresça ao peito altivo
em morgue do coração
é célere objetivo.

Contamina a palma, a atriz,
a linha do tempo curva
Elabora o medo n'alma,
confina a réstia minha
A carestia que exala
da retina dada ao dia.

Minha amada musa mata
laços por seus encantos
Tornando estáticos bandos
nos filamentos peristálticos
usurpando-os.
E nunca revoga paliativo efeito
Programado para, automaticamente,
conjugar náusea ao ente
epistemológico prelo.

No preventório das multidões
perfilam-se corpos
Um grão é o esforço
das revoluções,
o click é remorso.

Voluptuosa luz, fragorosa!
Espúrio intelecto
Virtual matrimônio
Estéril útero septo,
Teatro intrépido
Vampiro mórbido.

Que enche a Lua fria
de mais solidão ainda
alumiando as salas.

Nenhum mundo move se, enfim,
custe a pejar prostrado
perante as torres de marfim,
da nau dos naufragados.

A felicidade em mim
demanda morrer carmim
pelo pulso acorrentado,
Devendo amplo cuidado
Às armas organizadas
Ao senso contaminado
Aos vermes do alastrim.

Para que sempre minha estrada
estática, embora ainda
cálida, não finda,
Seja contigo nada.

Para que o bravo seio
Adormeça, ao enleio
do ópio e da chama
alienada.

Sarmassofobia II

Inflamado o peito mau amor clama
Dentre as náuseas por o sentires breve
ao toque, extirpar da chama a que escreve
Langores com a tinta córea, dama.

Do que oneras, desfiar-se-ão tumores
que pela vida transparecendo sórdidos
Lembrar-te-ão os desejos mórbidos
mas não cruel quanto a dor de amores.

Quando no vão torpor romperes a alma
Um anjo ressequido pela treva
Lhe estenderá pútrida palma.

Pela mortalha que sôfrego leva
ao peito por hausto a hasta em trauma
Tu poderás nada quão deva.

Ao esgoto


                                                                      A Augusto dos Anjos, com toda humildade

E nessa ocasião o horário já se foi.
Mais uma vez este vem à podridão
A qual rasga n’água e gasta-me a solidão
De todo esgoto que espera o que há de vir.
                        
Sorrir? A que doçura devo sorrir?
Se já se torna fétida água em lama,
Consola-me, o verme que desse emana,
Mas eu quero entrar e, todos, sair...
                        
E que falha desse poderia surgir?
Se esse verme a mim, no contemplo, sorrira
Se tal real relação nunca há de existir?
                        
Com quais males de lamentos me trairia?
Se acima a constância da dor hei de ouvir,
Mas com tu, verme, a natura alegria?

Cançãozinha

Se um pássaro passasse
Carregando uma flor,
E pousasse no Sol a se pôr
No poente de um enlace,
Talvez de ti gostasse
Mas, seja como for,
Não há melhor amor
Que um amor que se cace!
            
Sim, no orgulho te quereria
Do bico do pássaro, o cantor,
Quereria pois nua flor
Para enfeitar-te à poesia.
Quereria pouca magia
Para pensar no que compor:
Se um soneto de amor
Ou o amor que me espia.

Em decomposição

Hoje passei a mão nos olhos
E tentei arrancar uma gota
De água de lágrima morta
Dos choros dos tempos velhos. Falhei.

Como mais uns, os piolhos,
Bactérias, platelmintos em minha artéria entram,
Na vagarosidade, meu sangue esquentam,
E os vermes nos meus espelhos.
            
Para decompor a ira da destilação
Prefiro que queime o ridículo fundo
E todas as células do coração.
            
Esse, que me compreende como moribundo
Nas veras batidas da poluição
Dos putrefatos d’onde sou oriundo.

Sequiosa City

Socorram meus lamentos,
um irmão caiu no córrego
de seu próprio Ego
Colhendo sustentos.

Seus destroços carrego
Por entre os unguentos
E os quatro ventos,
Ainda que sôfrego.

Serenos corpos são lentos
Eu temo meu sossego
Enquanto que ermo não nego
válidos movimentos.

São Paulo faz morcego
e cortes purulentos,
lares bolorentos
quimeras que descarrego.

Se aqui há saneamentos
Com tratos e a pulso prego,
Àquilo a que não nego:
Água dos sangrentos!

Somos todo desapego,
E tantos intentos
de estarmos bentos,
eu continuo cego...

Sabemos da morte aos centos
Sabemos se me alego
genocida ou se pelego
dos policiamentos.

Sorrimos se há arrego
dos salários, dos aumentos,
das baixas dos mantimentos
de mim, que lá não chego.

Sinistros momentos
num prisco bárbaro grego,
me encontre que lhe pego
à falange dos violentos.

Sequiosa City, a entrego
Um filho aos ressequimentos
de alma e quaisquer alentos
e segrego.

Assunção do espaço breve

Preciso de coisas belas
Porque vivo, e tanto me sorvo,
Como num pacto doloroso
em que não há remorso, e o gozo
provém de a tudo provar.

É necessário desejar  todos os dias à Lua
Um galáctico espelho
Reflexor da alma.
Correr no mato ao cântico altivo
na busca do ser lascivo
de incognoscível gênero.

Despertar a loucura no ato
Despudoradamente ao crivo
Dos inocentes pasmos,
Religando a Lua à fonte
Copiando o sábio.

O amor é um olho na noite
homólogo e sinestésico
cético, a caçar o Sol.

Ilusões de Pravda

Cientificismo, três mortos
Voltearam dilacerados aos quatro cantos,
Setecentos e sessenta mil corpos
no sexo geográfico,
Dos porcos torturados, tortos,
um pardo imigra
ao tráfico.
Encare o choro, mãe,
Pregue os pulsos, que embarcam eles
Antes que a plácida usurpem...
Um cântico nobre não se cede
dos seios da paz.
Não coube a vírgula ao furor:
Setecentos e sessenta mil corpos
de algo que pensa,
“contabilizam-se as crianças”
politicamente , calcula a bancarrota, um foguete
“quatrocentos e trinta e oito”
Lançar-se-ão ao mar de abertos braços
a estocar a fúria mãe!
A dança do mundo avesso
Endereça os endereços
Capitalizando-os
Numa bomba no jornal
Como a bala perdida,
Terrorismo dos trejeitos
Do preto mau.
Eu sou caos. 

Amaldiçoada morte

                                                                                 Sugestão de trilha sonora: https://www.youtube.com/watch?v=iW71-sVyMzM

Ó morte, quanto és linda!
Linda tanto que ainda
pouco é meu todo canto.
Morte, que tu és o enlace
tu és o disfarce
o ofídio manto,
que vestes o passo
que mata o romance
do átrio de um santo.

Ó morte, se toda a sorte já lhe convém
Desfavorecido me encontro a esmo
às custas do que detém:
eu mesmo.

A morte, escarro escuro,
um vão impuro e lépida dor
equilibrada no apuro
De dar suor!

A morte, um rente corte
No raso da carne!
Um lúteo inerme,
uma epiderme à faca em porte.

A morte é nosso horizonte
tão perto quão tão distante
de nós, mas longe
da consciência.

Morte que vem assídua
no auge da eficiência:
completa inimiga
convexa pungência
na cálida fibra,
a madura essência!

Ó amiga morte, o canto alarda
por vires lucrar
errante eloquência,
inebriar a alma!

Do luto
tanto é dual
como comuto,
tu que devoras,
deveras,
futuras auroras
de um peito astuto.
Tu, que permeias
pelas minhas veias
sofre consigo,
sobretudo.

Que a pena do tempo então vague
e cesse, por fim, num soneto
coroando a morte ao terceto,
como a dama fúnebre.

Que vague a morte pelo tempo
por fim, num soneto que finde
as súcias do que prescinde
cuidar que o ciclo se quebre.

O poeta escafandrista

Para o fundo, imergindo em águas
Cautelosamente escrevo louco
Engrenando o enigma obtuso;
Vejo que também vi, confuso,
Protuberâncias inextricáveis.
            
Os ossos da mão são coisas palpáveis
E os homens desagradáveis,
De seu uso tenho só o uso
De experiências ineficazes.
Mas se escrevo sinceramente
Me percebo tal como o ente
Social dos insociáveis:
Com o ar puro do sentimento
Me visito solenemente!
            
Como, pois, pode aí ter
Existência do que é não ser
Substância, como é o osso,
E vagar com o que é sofrer
Soçobrando-me ao prorromper
De espreitar paixão que não posso?
            
Visitar-me implica-me mais
Forte esforço de meu trabalho
E braçadas vitruviais
Espelhando o celeste pálio,
Ressoar-se-á levemente
Na palavra proveniente
O fulgor dos meus ancestrais!
            
E expulso, serenamente
Presto, o ente que de repente
Crava as garras em meus umbrais
Que, na angústia eternamente,
Vive às velas do inconsequente
Leitor que não virá jamais.
            
Posso então ressurgir do fundo
Tendo em mãos liras cordiais
È paciência que fita o mundo
E tocar como se apraz
Ao humano ineficaz,
E pensar que mudarei tudo...
            
Triste sou dos mais tristes mas
Libertado por poesia!
E me afogo, como dizia,
Em pensamentos desiguais,
[pois sustento a emoção singela
De me ater e atracar-me nela
Indo a dentro em mim p’ra não mais.